DISCURSO DE FORMATURA DO CURSO DE PEDAGOGIA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ – 2018/1
- freudcontemporaneo
- 25 de ago. de 2018
- 7 min de leitura

Magnífico Reitor professor doutor José de Arimateia Dantas Lopes, demais autoridades aqui presentes, senhoras e senhores professores, senhores pais, cônjuges, filhos e demais convidados que prestigiam esta bela cerimônia de colação de grau. E, em especial, minhas queridas e queridos alunos graduandos do curso de pedagogia. Meu cordial boa noite a todos!
"Não é possível refazer este país, democratizá-lo, humanizá-lo, torná-lo sério, com adolescentes brincando de matar gente, ofendendo a vida, destruindo o sonho, inviabilizando o amor. Se a educação sozinha não transformar a sociedade, sem ela tampouco a sociedade muda. ” Com esta frase do saudoso educador Paulo Freire, Gostaria de começar minha fala desfazendo um mito: a educação não é a tábua de salvação para tudo e para todos; os professores não são sacerdotes que se entregam de forma sacrificial ao outro. Se a educação não é tabua de salvação para tudo e para todos, sem ela, no entanto, não há saída para as mazelas sociais, econômicas e pessoais que enfrentamos. Da mesma forma, se o professor não é um sacerdote que se entrega de forma sacrificial ao outro, ele é um profissional que necessita ser valorizado, assim como todos os outros profissionais que são respeitados neste país, mas, no entanto, sem perder de foco a nossa missão educacional, pois, esta sim, é sagrada.
Durante praticamente 05 anos vocês passaram pelas dependências da Universidade Federal do Piauí e tive a feliz possibilidade de me encontrar com parte desta turma na qualidade de professor e agora sinto-me profundamente honrado em fazer o discurso de colação de grau representando os professores homenageados. Quando entraram nesta universidade, muitas de vocês viram a concretização de um sonho – e as vezes não apenas um sonho pessoal, mas um sonho familiar. Assim, quero de antemão parabenizar os pais e mães aqui presentes, pois é uma enorme conquista ver uma filha ou um filho se formar em uma universidade, principalmente em uma universidade pública. Parabéns a vocês, formandas e formandos pela conquista, pois num país com apenas 15% da população com curso superior, a vitória de hoje é uma vitória da persistência, da fé, da coragem, do combate e do companheirismo. Como disse Goethe: "Aquilo que herdaste de teus pais, conquista-o para fazê-lo teu".
Como é de nosso conhecimento, o curso de pedagogia da UFPI fundamenta-se nos seguintes pressupostos: 1) Sólida formação teórico-metodológica, alicerçada nos saberes pedagógicos e saberes afins, a partir dos quais se fará a análise da organização social do sistema educacional e da especificidade da Educação Básica; 2) Formação político-social que propiciará ao Pedagogo a compreensão crítica das políticas e projetos educacionais, bem como o desenvolvimento de atitudes que demonstrem o compromisso com a construção de um projeto educacional que priorize e expresse uma educação efetivamente democrática e socialmente referenciada. Em função desses elementos que fundamentam a formação do pedagogo nesta universidade, desejo ressaltar em primeiro lugar um elemento conceitual. Em nossa concepção, consideramos Educação um bem público, e não mercadoria, sujeita às regras do mercado e do lucro. Nossa busca, e a meu ver esta deve ser a busca de vocês muito mais agora, enquanto profissionais habilitados a atuar no campo educacional, deve ser a constante melhoria de nossos estabelecimentos de ensino, a busca constante da melhoria de nossos processos de gestão e acompanhamento, a busca constante da melhoria das condições de trabalho dos profissionais da educação e, por fim, a busca constante da garantia do Direito à Aprendizagem de todos os nossos alunos e alunas.
Esses elementos – norteadores de minha prática – se solidificam a partir de uma disposição pessoal associada à uma vontade política. O Governo Federal lançou, na época do então presidente Lula, o Plano de Desenvolvimento da Educação, conjunto histórico de medidas que tratam de maneira sistêmica os desafios educacionais do País em todos os níveis. O Plano parte do princípio de que a educação constitui responsabilidade do Estado, mas também é um esforço social mais amplo que não se desenrola apenas na escola, mas tem lugar na família, na comunidade e em todos os espaços de interação, especialmente no trabalho. Nesse sentido, a educação impõe uma forte mobilização e conscientização social, tanto quanto sólidos mecanismos financeiros, viabilizando o projeto de desenvolvimento do nosso Estado.
Entretanto, com impetração do golpe contra a democracia que teve seu início mais evidente em 2016 com a derrubada da presidenta Dilma Rousseff, democraticamente eleita por mais de 54 milhões eleitores, vivenciamos a experiência trágica de um cataclismo social com seu caráter funesto sobretudo no campo da Educação. As mudanças propostas na área da Educação são um forte argumento acerca do desejo da elite golpista de levar o Brasil de volta à um passado no qual apenas uma parcela pequena da população tinha acesso à bens de consumo e de serviços. Temos, então, experimentado, A Medida Provisória que prevê a reforma do ensino médio e tem potencial para aprofundar problemas que já existem na formação educacional dos jovens brasileiros. Estão propondo um modelo educacional que se limita a preparar a juventude para o mercado de trabalho e não para exercer a cidadania plena. Ademais, os sucessivos cortes nos orçamentos das universidades brasileiras, com redução expressiva na oferta de bolsas para mestrado e doutorado, redução de repasses que ameaçam diariamente o fechamento das universidades públicas. Uma ameaça constante ao Piso Nacional do Magistério (que um certo ministro denominou de privilégios dos professores) e, ainda A Lei da Mordaça, também conhecida como Escola Sem partido. Em Síntese, podemos dizer que a profissão docente e a educação estão na UTI, com sério risco de falecimento rápido infectados pela PEC do fim do mundo, terceirização irrestrita, reformas trabalhista e da previdência, reforma do ensino médio e a Lei da Mordaça.
Diante de tantas questões que nos acometem, temos o futuro como sendo um tempo de muitos desafios e, ao mesmo tempo, um momento de oportunidades. Nesse contexto, é importante para todos nós, e isso cada vez mais incluirá a todos vocês, graduados em pedagogia, pensarmos que discutir os pressupostos da formação do professor é discutir como assegurar um domínio adequado da ciência, da técnica e da arte da profissão docente, ou seja, é tratar da competência profissional. Como sabemos, no seu processo de formação, o professor se prepara para dar conta do conjunto de atividades pressupostas ao seu campo profissional e isso, refere-se ao desenvolvimento de uma ação educativa capaz de preparar os alunos para a compreensão e transformação positiva e crítica da sociedade em que vive.
Talvez um bom caminho seja considerarmos que lugar a educação ocupa em uma leitura ao mesmo tempo crítica e entusiasmada da sociedade em que vivemos. Nesse sentido, é importante , a meu ver, nos posicionarmos contra a pobreza e suas mazelas; denunciarmos que o fracasso escolar não é apenas um “problema emocional” e também não pode ser naturalizado, assim como não podemos enxergar como como natural a desigualdade social brasileira, que faz com que 50% dos 89 milhões de trabalhadores e trabalhadoras recebam por mês, em média, 15% menos que o salário mínimo e que 43,4% de toda a riqueza gerada no brasil acabou concentrada nas mãos de apenas 10% da população.
Mas diante desse quadro estranho, feio, confuso, repetitivo e nada animador, o que nós, educadores e educadoras podemos fazer, sobretudo no que diz respeito à formação das novas gerações?
Para começarmos a pensar algumas saídas possíveis recorremos às palavras de Freud: “Uma escola deve conseguir mais do que não impelir seus alunos ao suicídio. Ela deve lhes dar o desejo de viver e devia oferecer-lhes apoio e amparo numa época da vida em que as condições de seu desenvolvimento os compelem a afrouxar seus vínculos com a casa e com a família. Parece-me indiscutível que as escolas falham nisso... A escola nunca deve esquecer que ela tem de lidar com indivíduos imaturos a quem não pode ser negado o direito de se demorarem no seu desenvolvimento e mesmo para alguns um pouco desagradáveis. A escola não pode arrogar-se a si o caráter de vida: ela não deve pretender ser mais do que ela é, um modo de vida (Freud, 1980a, p. 217).
Em razão disso, a escola, a creche, a universidade devem dar aos jovens “o desejo de viver”, acolhendo aí seus singulares modos de vida.
Igualmente, podemos citar Rubem Alves, ao dizer que:
“Há escolas que são gaiolas e há escolas que são asas. Escolas que são gaiolas existem para que os pássaros desaprendam a arte do voo. Pássaros engaiolados são pássaros sob controle. Engaiolados, o seu dono pode levá-los para onde quiser. Pássaros engaiolados sempre têm um dono. Deixaram de ser pássaros. Porque a essência dos pássaros é o voo. Escolas que são asas não amam pássaros engaiolados. O que elas amam são pássaros em voo. Existem para dar aos pássaros coragem para voar. Ensinar o voo, isso elas não podem fazer, porque o voo já nasce dentro dos pássaros. O voo não pode ser ensinado. Só pode ser encorajado. ”
Da mesma maneira, nossa compreensão passa pela ideia de que a educação é uma conquista social. Sua construção é crucial para encontrarmos um entendimento nacional em torno do que é importante no processo de desenvolvimento dos estudantes brasileiros. Isso implica em uma oportunidade excelente que temos para discutir aquilo que é importante para o país, para o nosso estado, para a nossa cidade, para a nossa escola e universidade. Entender seu real significado e participar da sua construção é direito e dever de todos.
Em nosso dever de educarmos as atuais e futuras gerações, devemos ficar atentos aos sinais de injustiça e desigualdade – aumentos abusivos de salários em privilegiadas esferas da administração pública; prisão com base na convicção; a justiça se fazendo de partido político; a manutenção da prisão sem provas de um candidato líder nas pesquisas políticas; a morte de Marielle que até hoje não foi solucionada.
Mais uma vez, caras alunas e alunos, meu abraço de felicitação e de encorajamento e, conforme nos alertou Manoel de Barros:
A maior riqueza do homem é sua incompletude. Nesse ponto sou abastado. Palavras que me aceitam como sou — eu não aceito. Não aguento ser apenas um sujeito que abre portas, que puxa válvulas, que olha o relógio, que compra pão às 6 da tarde, que vai lá fora, que aponta lápis, que vê a uva etc. etc. Perdoai. Mas eu preciso ser Outros. Eu penso renovar o homem usando borboletas.
Renovados, sigamos!
Teresina, 22 de agosto de 2018.
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