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Expulsos do paraíso

  • Cássio Eduardo Soares Miranda
  • 27 de set. de 2018
  • 3 min de leitura

A proliferação dos comitês de Ética na atualidade é sintoma de uma contemporaneidade sem ética. A atualidade nossa (penso no Brasil, mas não só aqui) é marcada pelo descaramento do “eu não sabia”, “eu não vi”, “não sei do que se trata”, “foi sem querer”: desculpas e mais desculpas que revelam um certo modo cínico de se sustentar na vida.


Novos sintomas?


Pode-se afirmar que a proliferação de tais comitês aparece como uma forma de barrar o gozo de posturas perversas que só sabem gozar do outro em um tempo da inexistência do Outro. A bioética entraria, desse modo, como uma tentativa de colocar um freio na busca incessante (desde o Éden) do homem ser igual Deus. Se no Éden o desejo de ultrapassar o Pai já se inscreve, o mito do Édipo mostra um rapaz que concretiza o parricídio, a contemporaneidade, carente de um pai, mostra-se “desorientada” no seu desejo e cada vez mais se aproxima de um gozo que pode ser contabilizado e produzido pelos objetos que são lançados no mercado. Goza-se do objeto e a insatisfação permanece. Nem mesmo o antigo lema de uma loja de departamentos (“satisfação garantida ou seu dinheiro de volta”) garante a satisfação plena, por mais que aí o gozo possa ser “comprado” ou contabilizado.


Mas, o que uma bioética tenderia a discutir: princípios que estão relacionados à vida humana e uma ciência que leve em consideração a psicanálise levaria em conta também o desejo do sujeito. O que podemos pensar é que para a psicanálise, em função da queda dos grandes ideais e do fim de uma sociedade Pai-centrada, tudo se passa como se estivéssemos, no vertiginoso mundo atual, desorientados diante da desestabilização dos princípios universais, supostamente tão necessários para que qualquer ética se sustente, uma vez que os ideais, ao mesmo tempo em que são alienantes, são orientadores e dão um certo norte. O que a psicanálise vem denunciar é que a fascinação que se tem hoje em torno da bioética possui um caráter paradoxal, uma vez que a excessiva busca da “eticização” pode levar a um brutal processo de desumanização, o que o tornará manipulável pela bioética. Aí é que se encontra o caráter mortífero da coisa: o que a bioética busca combater (a desumanização) acaba por se tornar a consequência da bioética.



Desse modo, questiona-se: há princípios éticos a serem universalmente seguidos? As formulações jurídicas respeitariam tais princípios? Existe, na ciência, a aplicação prática destes princípios e leis?



A psicanálise questiona a ética do universal, por maior que seja sua ambição libertadora, como, por exemplo, uma ética marxista que se aplica a todos. Antes, a psicanálise aposta em uma ética pautada na singularidade e na invenção, ou seja, aquilo que cada sujeito faz para salvar-se a si mesmo. Uma vez expulso do paraíso, o homem terá que inventar modos de existir desgarrados do útero materno e da presença absoluta do Pai: prescindir dele para dele servir-se.



Expulsos do paraíso, uma boa bioética é aquela que garante uma tomada de posição do sujeito, mais que protocolos a serem preenchidos, padrões a serem seguidos e termos a serem assinados. Uma boa bioética, talvez seja aquela que permite ao sujeito que ele seja ele mesmo, “mesmo que seja bizarro”.



Para conhecer um pouco mais, leia:


DINIZ, Débora. Da Impossibilidade do Trágico: Conflitos Morais e Bioética. Tese de Doutorado, UNB, Brasília: 227pp. 1997






 
 
 

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Cássio Eduardo Soares Miranda - Psicanalista. Professor. Poeta

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