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DEVORAR É PRECISO!

  • Cássio Eduardo Soares Miranda
  • 7 de set. de 2018
  • 3 min de leitura

Como se sabe (?), o catolicismo propôs uma classificação dos vícios humanos a partir de uma denominação classificatória que incluía sete “problemas” humanos e que necessitavam de uma norma civilizatória para tornar, gradativamente, a vida social – e pessoal – mais tolerável. Tal nomeação que circulou em torno dos sete pecados capitais tem como finalidade educar e proteger os cristãos, partindo da premissa de que conhecer os pecados é uma forma de controlar os instintos básicos humanos. Para a psicanálise, tais instintivos receberiam o nome de pulsão. Por quê pulsão? Porque, uma vez que a linguagem entrou em cena e parasitou o homem, tudo aquilo que era da ordem da natureza passou a se estabelecer em uma outra ordem, uma ordem marcada agora por aquilo que se chama de psiquismo.

"... o uso da função da pulsão não tem para nós outro interesse senão o de colocar em questão o que é da ordem da satisfação.(...) mesmo os seus sintomas [dos pacientes] têm a ver com a satisfação. Eles satisfazem a alguma coisa..."

(Jacques Lacan)

Todos nós sabemos que quase nada no homem é natural. Melhor dizendo: Uma vez tocado pela linguagem e por uma mensagem de um outro humano que o humanizou, aquilo que pode ser chamado de natureza foi modulado pela dimensão subjetiva. Assim, o homem come mesmo sem necessidade – ou deixa de comer mesmo tendo necessidade -, copula sem estar no cio e escolhe seu parceiro sexual – e escolhe inclusive não o ter. Se ao animal tal condição não é possível, no homem, tudo aquilo que é do campo da natureza é capaz de assumir toda sorte de vícios.


Se pensarmos assim, com a lógica civilizatória que o catolicismo impôs ao mundo, a seleção de pecados e a classificação em dois tipos foi, de alguma forma interessante, pois há os pecados que são perdoáveis e não têm a necessidade do sacramento e da confissão, e há os pecados capitais, esses “terríveis” e “inescrupulosos” vícios que são merecedores da condenação eterna. Na lista de tais pecados, encontramos sete: vaidade, inveja, ira, preguiça, avareza, gula e luxúria. Como se vê, tal lista arrola aquilo que há de mais humano (e assim podemos pensar, de mais natural).


Segundo um teólogo antigo - Evagrius - os pecados tornavam-se piores a medida em que tornassem a pessoa mais egocêntrica e o orgulho é o topo da condição, pois, como o teólogo adverte, foi esse orgulhozinho besta que derrubou Lúcifer do coral celeste e o transformou nesse diabo terrível que povoa o imaginário dos povos. Por outro lado, no século VI, o Papa Gregório preocupou-se em classificar os pecados capitais como aqueles que ofendem o amor.

Esse prelúdio todo (opa! Nada mais missal que este termo!) é para convocar o leitor para uma reflexão em torno dos sintomas contemporâneos e o modo como eles provocam um transbordamento do gozo. Assim, começaremos por pensar, rapidamente, (com promessas de continuidade na próxima postagem) como o pecado da gula se inscreve na lógica contemporânea a partir de sintomas que a clínica psiquiátrica denominou de transtornos alimentares. Nosso objetivo é, assim, pensar como diversos significantes novos apareceram na cultura e formaram sintomas diversos. Se pensarmos no pecado da gula, em termos de classificação psiquiátrica, temos o seu oposto, a anorexia, enquanto um sintoma em que o sujeito como o nada.

Pensaremos melhor nisso na próxima semana.


Cássio Eduardo Soares Miranda

Teresina, 07 de setembro de 2018.


 
 
 

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Cássio Eduardo Soares Miranda - Psicanalista. Professor. Poeta

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